O preço do câncer - Dr. Daniel Tabak

O preço do câncer

Pacientes precisam ter acesso imediato a drogas capazes de salvar suas vidas ou minorar o seu sofrimento. Médicos não devem ser agentes do governo ou do mercado!

Ao ouvir as palavras “Você tem câncer”, o indivíduo perde o controle de sua vida. Consultas médicas passam a moldar sua rotina de infindáveis exames e tratamentos agressivos, frequentemente associados a efeitos debilitantes. A este martírio foi incorporada recentemente a toxicidade financeira. Os custos do tratamento oncológico em todo o mundo se elevam em progressão geométrica e ameaçam a incorporação dos novos e importantes avanços terapêuticos.

Estima-se que um em cada três indivíduos será afetado pelo câncer nos próximos 20 anos. Na última década, o custo médio das novas drogas utilizadas no tratamento aumentou cinco a dez vezes. Estes números preocupam os Estados Unidos que, segundo a Organização Mundial da Saúde, gasta per capita, em saúde, oito vezes mais que o Brasil.

Como enfrentar este desafio em nosso país? Qual o nosso papel como oncologistas? Vivemos um dilema ético diante do dever em relação aos nossos pacientes e à sociedade. As responsabilidades sociais são importantes no controle dos custos da assistência oncológica. Entretanto, temos uma obrigação primária com os enfermos. Devemos nos opor vigorosamente à contenção dos custos à beira do leito. Na prática diária, não estamos implantando uma política pública ou uma nova matriz econômica. A medicina junto ao leito se aplica ao indivíduo, e não à população. O seu racionamento seria errático e injusto: indivíduos semelhantes não seriam tratados de forma similar.

 

A bioética de Edmund Pellegrino nos ensina que a Medicina é uma arte tanto quanto uma ciência. A arte exige sabedoria para exercer parcimônia terapêutica e elegância no diagnóstico. Dessa forma, é possível agir em benefício daqueles que cuidamos, evitando complicações iatrogênicas, testes desnecessários, tratamentos fúteis e gastos exorbitantes.

 

“Quem salva uma vida salva toda a humanidade”, nos ensina a sabedoria judaica. Com esta visão, um passo importante foi dado por mais de cem expoentes da oncologia mundial que assinam um artigo publicado na edição de Agosto do periódico da Mayo Clinic, um dos hospitais mais conceituados nos EUA. Os autores questionam se o preço atual dos medicamentos é baseado na expectativa razoável de retorno do investimento da indústria farmacêutica ou se apenas reflete o quanto o mercado está disposto a pagar. Sem dúvida, a pesquisa deve ser remunerada com um lucro razoável. Entretanto, os preços atuais são insustentáveis e tornam os medicamentos inacessíveis à maioria da população. O texto apoia uma petição ( http://chn.ge/1DCWT1M ) que busca um preço justo para os quimioterápicos conforme sua relevância no tratamento do câncer.

Assim, certos pontos não podem ser questionados. Primeiro, todos os pacientes precisam ter acesso imediato a drogas capazes de salvar suas vidas ou de minorar o seu sofrimento. Segundo, os médicos não devem ser agentes do governo ou do mercado. Isto é, Precisamos manter a ética profissional para enfrentar os custos crescentes com a saúde. E, finalmente, devemos, sobretudo, reafirmar o nosso compromisso com a vida. Com a dignidade da vida.

Daniel Tabak é diretor do Centro de Tratamento Oncológico