Emoção e câncer- Jornal Futura Por Adriana Thomaz, janeiro de 2013 – Reflexões para o programa do Jornal Futura Trabalho com pacientes oncológicos, de forma direta, há cerca de 7 anos, dos quais 4, em uma clínica de Oncologia renomada no Rio de Janeiro (CENTRON). Confirmando o que dizem as pesquisas acerca das estratégias de enfrentamento utilizadas diante da doença e do tratamento, verifico diariamente que os pacientes desenvolvem meios, o que chamo de “recursos internos” para enfrentar as perdas implícitas e explícitas advindas do diagnóstico do câncer, como forma de amenizar o sofrimento. Alguns leitores podem ter feito uma relação direta, de acordo com suas crenças centrais, entre “recursos internos” e religiosidade ou até, e melhor dizendo, espiritualidade. Este é, porém, apenas um deles. Uma vez que a proposta deste artigo não é desenvolver o tema “recursos internos”, o leitor deve estar se perguntando o porquê de tal colocação. Vou explicar nas linhas que se seguem, mas deixo aqui o que corrobora o pensamento de muitos: A religiosidade é usada, de fato, de acordo com Silva (2002), “como uma importante fonte de suporte e conforto para muitas pessoas, durante um período de sofrimento, proporcionando um maior equilíbrio diante das adversidades da doença”. De posse desta afirmação, retorno a questão principal deste artigo, a relação entre emoção e câncer e chamo atenção à questão das crenças centrais, ativadas diante do diagnóstico do câncer, provocando possíveis reações emocionais “negativas” como mostra o modelo cognitivo desenvolvido por Aaron Beck, em que se propõe haver uma inter-relação recíproca entre pensamento, emoção e comportamento, pois a interpretação de um evento pode ativar cognições e tais cognições podem influenciar emoções e comportamento, alterando a forma como ele se sente, e podendo resultar em transtornos psicológicos decorrentes de um modo distorcido de se perceber os acontecimentos, denominado de distorções cognitivas, de acordo com Beck, 1976; Beck & Freeman, 1993 in Silva, 2008. Segundo Knapp (2004), as distorções cognitivas, as quais denominei anteriormente “negativas”, podem ser traduzidas, principalmente, em: -catastrofização (o pior certamente vai acontecer), -abstração seletiva (manter a atenção exclusivamente no aspecto negativo da situação), – adivinhação (antecipação do problema e expectativas negativas sobre situações ainda não vivenciadas), -personalização (assumir para si toda a responsabilidade pela situação atual). Os pensamentos dividem-se em pensamento automático, crença intermediária ou subjacente e crença central, que dá origem a crença intermediária, desencadeadora de pensamentos automáticos, quando o indivíduo se coloca diante de algumas situações (Knapp, 2004; Falcone, 2001). Estes pensamentos automáticos, que correspondem àqueles pensamentos espontâneos, fluem na mente, independente do raciocínio, sob a forma de pensamento ou de imagem, são breves e coexistem com um fluxo manifesto de pensamentos, sem serem embasados por uma reflexão (Beck, 1997 in Silva 2008) daí a importância da “desconstrução” dos mesmos uma vez que são involuntários e se são “distorcidos ou disfuncionais, contribuem para psicopatologia por influenciarem tanto as emoções como os comportamentos dos indivíduos. (…) O nível de pensamento, aqui descrito, é evocado pelas crenças intermediárias, também chamadas de crenças condicionais, e corresponde ao segundo nível do pensamento que ocorre sob forma de crenças ou regras. Essas crenças refletem idéias mais enraizadas e mais difíceis de serem modificadas do que os pensamentos automáticos, porém mais maleáveis do que as crenças centrais” (Knapp, 2004). Os pensamentos automáticos mais comuns em um paciente diagnosticado com o câncer, com base nas minhas experiências pessoais, somam-se aos de Taylor, 2005: 1- Sofrimento físico: “Eu vou suportar este sofrimento?” “Será que eu agüento?” “Posso até morrer, mas não vou aguentar a dor”. 2- Qualidade de vida: “Vou poder comer o que eu gosto?” “Vou poder continuar a desenvolver meus projetos pessoais?” “Vou gastar o que gentio e o que não tenho e deixar minha família em situação financeira difícil?” “Vou conseguir manter minha vida sexual?” 3- Finitude: “Eu vou morrer?” Ainda em Silva (2008), no que concerne especificamente ao câncer, Barraclough (1999) exemplifica que uma mulher com câncer de mama pode acreditar que “nenhum homem deseja uma mulher com apenas um seio”, dentre outras que ouço frequentemente como “nunca mais vou ser feliz de novo” ou “sexo nunca mais, estou feia demais, tenho vergonha”. todas crenças a serem desconstruídas com calma e perseverança. Finalizo este artigo com o mais recente questionamento trazido por Michael Sullivan, no congresso mundial de dor, do qual participei no ano passado, em Milão: A “Percepção de Injustiça” é uma condição emocional que pode ser importante Fator de Risco para controle da dor do paciente com câncer, podendo inclusive, acredito eu, influenciar diretamente ou ser deflagrador do conceito de “Dor Total” desenvolvido por Cecily Saunders. Uma vez percebida a situação é preciso descobrir quem é alvo no caso da injustiça.Freqüentemente ouço frases como “Doutora, eu não merecia essa doença, nunca fiz mal a ninguém, sou do bem.” “Sempre me alimentei bem, nunca fumei e agora tenho câncer, não é justo”, ” a culpa é do meu clinico que não pediu os exames, ele é que devia ter câncer, não eu” ou ainda “meus filhos não merecem crescer sem mãe, nem meu marido ficar viúvo tão cedo”. Enquanto assistia a exposição do tema, muito me chamou a atenção o que concerne às implicações do tratamento, uma vez que estar preso ao senso de injustiça pode se tornar uma crença e “conferir significado”, ocasionando pouca ou nenhuma vontade de melhorar daquela dor, uma vez que a melhora os tira do foco, e tudo perde o sentido. Como solução, Sullivan apresenta as intervenções cognitivo comportamentais resumidas em: -técnicas de validação e aceitação; -técnicas de controle da raiva ou facilitação da expressão segura através de técnicas varias; -estratégias de resolução da injustiça – quando possível. Na minha prática clinica, a simples narrativa pode trazer à tona o problema primário que faz o paciente ficar preso àquela raiva pelo que considera injusto, catastrófico ou qualquer outra “distorção cognitiva”. E é aqui que entra a Educação. O médico precisa ser preparado, ainda na graduação, para perceber tais situações e compreender a necessidade de validar a emoção do paciente diante do diagnóstico do câncer e tratar adequadamente ou encaminhar a equipe de saúde mental para que o paciente e sua família possam receber o tratamento integral, necessário à resposta clinica esperada. Mais uma vez fica clara a condição sine qua non para o cuidado efetivo do paciente com câncer e sua família: a interdisciplinaridade, capaz de promover a aderência ao tratamento, oferecer suporte emocional em todas as fases, prevenir comportamentos de risco, identificar os recursos internos, recrutar mecanismos adaptativos, manter a clareza e a transparência acerca do diagnóstico e das condutas e, acima de tudo, acolher e aceitar a individualidade, a maneira que cada paciente, que cada família expressa ou manifesta suas emoções diante do diagnóstico do câncer, do processo sofrido do tratamento, da cronicidade e das perdas vividas ao longo desse tempo, e as que, eventualmente, ainda virão.

Dra. Adriana Thomaz

Dor e Cuidados Paliativos